quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Da arte de falar mal – 17.XII.2006

Casos de Justiça.

Quarta-feira, dia da República, amanheci inesperadamente em Joinville. Explico: inesperadamente não porque fora abduzido ou coisa que o valha, mas porque a chegada a Joinville tem sempre algo de inesperada decepção. De qualquer forma, para meu consolo, poderia rever os amigos. Fui o que tratei de fazer, e já no meio da tarde combinei com meu querido amigo Cláudio o patriótico programa de assistirmos o jogo do selecionado brasileiro contra a Suíça. Do jogo lembro-me pouco, a vaga lembrança que fica de uma pelada entre o Corinthias de Paulas e a Serrana, e já me corrijo. Lembro-me do lenço do Dunga, que segundo um diálogo improvável com meu anfitrião, foi assegurado que se tratava de uma gravata dobrada, idéia da filha do técnico, que segundo consta é personal stylist. Como no calor morno de um fim de dia de ressaca tudo parece improvável, mantenho o tom dubitativo do relato.
O fato é que, no intervalo do jogo, entre um canal e outro deparamo-nos com um programa chamado “Casos de Justiça”. E por Justiça se tratar de assunto de interesse universal, foi dado algum minuto de descanso ao controle remoto – e, diga-se, na televisão, os segundos têm a dimensão da eternidade. Logo se descobriu de que Justiça se falava: um desfile de tragédias da zona sul fluminense, com direito a sobreviventes e parentes das vítimas arriscarem suas sugestões para “virarmos o jogo da violência”. Além desses “casos verdade”, o programa comportava o depoimento de um Juiz de Direito que representava o papel de...juiz, isto é, dava a última palavra sobre as tais sugestões: diminuição da maioridade penal, “endurecimento” do código penal, etc, etc, etc. Como se pode adivinhar, não faltaram elogios à Glória Perez e seu abaixo-assinado que alterou o código penal.
O óbvio do programa fez-me lembrar de um assunto correlato, mas distante muitos quilômetros desses “casos de justiça”: o caso do sujeito chamado Bruno Ribeiro de Macedo.
Reporto na íntegra a notícia dada na Folha OnLine (mesmo porque o texto e o destaque foram mínimos):


“Dois policiais militares do Rio de Janeiro são acusados de matar por engano Bruno Ribeiro de Macedo, 19, na região da favela do Jacarezinho, na zona norte. Ele levou um tiro de fuzil no rosto. Os policiais foram afastados das ruas para investigação.

Testemunhas afirmaram à Polícia Civil que por volta das 14h30 de sexta-feira (3) Macedo saiu da favela para buscar socorro para seu pai. Ele e um colega tentavam pegar um táxi na rua Viúva Claudio com José Maria Belo quando foram abordados pela Polícia Militar.

Na versão da PM, a dupla estava em uma moto assaltando um taxista. Os policiais afirmaram que tentaram fazer uma abordagem e os rapazes resistiram. Macedo foi baleado e seu colega fugiu no táxi.

Macedo foi levado pelos próprios policiais ao hospital Salgado Filho, onde morreu.

A Polícia Militar informou que afastou os dois policiais das ruas e abriu sindicância para apurar a o caso.

A Polícia Civil abriu inquérito de homicídio e já ouviu os policiais e a família da vítima. Segundo a polícia, o jovem que estava junto com Macedo será interrogado na próxima semana.”

Como se depreende do texto, a notícia dada foi o erro dos policiais e não morte de um inocente. Quase uma semana depois de Bruno ser executado, quem diria, Francisco Cuoco foi roubado. Teve direito à entrevista televisiva, debate sobre a violência no horário nobre e, de quebra, promoveu sua peça “Último Bolero” no teatro Miguel Falabela – que tenho certeza que foi assistida, mais de uma vez, pelo Zeca e pelo Menino do Rio. Reitero: na televisão, os minutos de Francisco Cuoco ultrapassam a espera de uma eternidade

Voltemos aos “Casos de Justiça”: passados os dois minutos regulamentares, mudamos de canal e apanhamos outra notícia pelo rabo: inocente passa 13 anos na cadeia e deve ser indenizado pelo Estado. Ao ouvirmos a notícia gostaria que meu amigo Cláudio pudesse olhar seu próprio rosto: havia nele um susto súbito, o susto de quem vira os abismos a que pode levar a justiça. Alguém poderia objetar que se tivesse um bom advogado o cidadão brasileiro em questão não teria passado treze anos no xilindró. É preciso responder: se pudesse ter advogado, sequer teria problemas com a Justiça.


Uma nota:

Antonio Buarque Ferreira, doravante cognominado Menino do Rio, apresenta-me um problema digno do paradoxo de Zenão: o dos irmãos gêmeos bicolores. Respondo: cotas para aquele que levar mais esculacho da PM passeando pelo Leblon.

AOTC