terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Da arte de falar mal

Il Faut Jouer La Comédie

JOGO DE CENA é uma locução consagrada em língua portuguesa e de uso corrente. É possível dizer que seu uso extrapola o traço técnico que a melhor caracteriza. Deste modo, posso dizer que “isso ou aquilo é jogo de cena”, sem estar preocupado com uma estréia qualquer, sem ser diretor ou ator, sem gostar, entender ou me preocupar com o que vem a ser teatro. Posso afirma isso simplesmente com a intenção de pôr em dúvida a verdade de uma situação (principalmente), o que significa que nesse caso “representação” é o oposto do verdadeiro. Curiosamente, a verdade do teatro é justamente essa: não ser “verdadeiro”, mas “teatral”. Reproduzo aqui a definição do dicionário, que indica a marca técnica da expressão:

1conjunto de movimentos (deslocamentos em cena, gestos, esgares fisionômicos) executados por um ator ao representar um dado papel
2conjugação dos efeitos obtidos por um diretor numa peça, como a marcação do elenco, a composição cromática dos figurinos, os cenários, a iluminação etc.

Neste caso, “jogo de cena” também pode ser entendido como as marcas estudadas e construídas para produzir o efeito propriamente teatral. Aparentemente, ninguém vai ao teatro para ver “a” realidade, o que não significa que o teatro não diga respeito à realidade (como, de resto, tudo), mas, pensando em uma situação trivial, representar uma prostituta não se reduz a contratar uma moça na Major Sertório – a moça em questão exerce seu ofício lá, na Major Sertório, não no Teatro Arena, logo, ela obedece outros imperativos, outro jogo de cena, e a transposição de um ao outro é muito menos óbvia do que sonha nossa vã dramaturgia.
Chego, enfim, ao início do meu assunto: JOGO DE CENA, o problema, a situação, os limites, tudo está no novo filme de Eduardo Coutinho. Digo filme, e completo: não seria documentário? A melhor resposta parece ser a negativa. Eduardo Coutinho não faz documentário, pelo menos o documentário que se esperaria. Eduardo Coutinho faz um cinema de ensaio para pensar o documentário, o que significa que de algum modo ele já está fora do documentário, que aqui é índice de uma problema maior que ele parece perseguir desde “Cabra Marcado para Morrer”: lá, com todo peso do cinema engajado, a tentativa de filmar a inédita organização dos camponeses sob as Ligas Camponesas desdobra-se na pergunta pelo o que está por detrás do cinema. Coutinho passa das personagens (“reais” ou “imaginárias”) às pessoas por detrás das personagens. Em JOGO DE CENA, coroando um percurso estético e crítico, faz como que o caminho de volta: pergunta como as pessoas transmutam-se em personagens. Da pergunta pela realidade por detrás de uma filme interrompido abruptamente pela própria realidade (o golpe de 64) à pergunta sobre como é possível representar a realidade, se há no fundo da película (mantenho o registro anacrônico) algo mais do que sais de prata, Coutinho constituiu um itinerário e persegue a mesma pergunta-problema, que se renova a cada tentativa de filmá-la. A longevidade de seu projeto, sua permanência a despeito das modas, das crises e das mudanças de moeda, tudo isto pode dar uma falsa impressão sobre a força do documentário brasileiro ou de que há um documentário brasileiro: plano fechado, depoimento, “close”, corta, plano aberto, situação. Tudo muito bem explicado. Não parece ser esse o caso.
Assim como o sertanejo pirrônico de “O fim e o princípio” que não aceitava perguntas que não pudesse responder com outras perguntas, o que se chama documentário, em Coutinho, é muito mais uma pergunta pelo documentário do que uma definição do documentário. O que fica sugerido é que o compromisso de Coutinho não é com uma forma, mas com uma forma de pergunta.
A permanência desse tema, sua transformação em legítima inquietação estética, parece-me muito mais idiossincrática que coletiva: Coutinho não deve ser entendido como patrono do documentário brasileiro, mas o problema por excelência do documentário brasileiro: como fazer um documentário brasileiro ignorando o não-documentário de Coutinho, that is the question. Daí que nele o improviso tenha algo de método: ele não aceita roteirizar sua matéria, e poderíamos dizer deste homem que faz filmes sui generis, que ele é que foi roteirizado pela matéria que filma, sua obra é essencialmente resultado de uma ordem de matérias.
O que haveria mais distante disso que o documentário de resultado, que não se furta em tornar ornamental a matéria, geralmente “exótica”, que pretende capturar, formatar, “roteirizar”, que estetiza para a crítica especializada a multidão das possíveis curiosidades para o nosso público do cinema: o louco, o pobre, o migrante, o analfabeto, o deficiente, (e em um país superficialmente anti-racista e profundamente racista) o negro: todos merecem ser vistos. A pergunta é, como, sob que condições?
Truffaut, que era não apenas irretocável advogado do cinema de ficção como não perdia a oportunidade de detratar o “cinema de documentário”, para ele simulacro de cinema, falso cinema, via no documentário a tentativa de domesticar aquilo que é o próprio do cinema, o fato de ser instrumento de invenção. Documentário para ele significava esvaziar a ficção, esvaziar o possível em nome da realidade absoluta, definitiva, captada pelo fiador da verdade representado pelo documentarista: quem duvidaria do simpático, suado e bonachão proprietário de bar, segundo Trauffaut, a personagem ideal do documentário? E o problema de Truffaut era justamente esse: como é possível um cinema de certezas muito certas e verdadeiras, um cinema documento da verdade?
Conforme sua clivagem, o cinema abdicaria da sua mais estrita natureza: em vez de produzir imagens, ter-se-ia a impressão de “descrever a realidade”. Seria o documentário, enfim, o supremo fiador da realidade, da verdade verdadeira que nos libertará, o conseqüente passo do cinema engajado dos anos sessenta, comprometido com a realidade, para um cinema engolido pela realidade?
A resposta menos óbvia a estas ambivalências vem dos feitos do próprio documentarista: é ele que põe em dúvida o repertório de caras e bocas que captura não mais com a intenção de cercar-se das garantias da realidade, mas justamente de as pôr em dúvida. Eis o JOGO DE CENA.
Nesse filme inclassificável tudo se passe em um palco de teatro que tem ao fundo uma platéia vazia, pelo qual certo número de atrizes (famosas ou não) e pessoas comuns contam uma história pessoal diretamente a ele (de novo, de costas para o público do teatro, de frente para o público do cinema). E o que se vê? Para todos os casos, a verdade é jogo de cena, não menos verdadeira, não menos representada, isto é, as marcas de “realidade” captada pelo documentário são tão convencionais quanto as da ficção, e a verdade pode estar tanto em uma quanto em outra.
A conclusão óbvia a se tirar seria a de que tudo é relativo, de que diante de um outro qualquer, diante do espelho do banheiro, não há senão representação – mesmo para uma platéia ausente vivemos a constante vertigem da representação, de sermos personagens de nós mesmos.
Esta não parece ser, entretanto, a melhor nem a única conclusão. O jogo de cena, em Coutinho, é tanto instrumento estético quanto político: daí que filmando quem ele filma, seu caráter popular e inquietante. Ao aceitar esse JOGO DE CENA, Coutinho aceita que esse outro do documentário, o tipo exótico expostos nos cineclubes, não se resuma a uma teoria, a uma definição estrita, nem se sujeite a violência de uma forma que lhe é estranha. Mas aceitar ir ao encontro do outro, aceitar ouvi-lo sem as garantias de uma firma reconhecida requer certa arte e exige certos riscos.
Em JOGO DE CENA há verdade, mas não aquela que se esperaria de um documentário qualquer, a verdade verdadeira do dono de bar. Há sim uma verdade superior e vaga, improvisada, um tanto selvagem: a verdade do outro. Dir-se-ia, em outros tempos, talvez mesmo a verdade de um compromisso: reconhecer que esse outro ideal do documentário, algum mordomo interessante, que diariamente invade nossas casas como um serviçal eficiente, mesmo idealizado pelas molduras do documentário, pode possuir astúcia suficiente para não se entregar inteiro e, enquanto resiste, sobrevive. O culpado pode realmente ser o mordomo. O que deve parecer trivial – reconhecer o outro – tem nesse filme uma generosidade específica, e levando em conta a filmografia particular de Coutinho, diríamos, uma generosidade de classe: jogo de cena em Coutinho é uma forma estética de recusar a violência nua e crua de classe, tão brasileira, tão nossa. Eis seu JOGO DE CENA.
Esse outro ou essa imagem do outro que Coutinho persegue, tão estranhos ao respeitável público, revela que o melhor para ser filmado, a imagem que deveria interessar, está longe dos problemas que rodeiam as salas de exibição, que está escondido em algum lugar vasto e irremediavelmente perdido. Talvez a melhor imagem de nós mesmo seja ainda aquela que não se revela, aquela que o jogo de cena esconde, mas deixa que imaginemos.
Concluo com Macbeth:
Seyton : The queen, my lord, is dead
Macbeth : She should have died herafter
There would habe been a time for such a word...
Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow
Creeps in the petty pace from day to day
To the last syllable or recorded time
And all our yesterdays have lighte fools
The way to dusty death. Out, out, breif candle!
Life's but a walking shadow; a poor player,
That struts and frets his hour upon the stage,
And then is heard no more: it is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing
(em tradução livre e macarrônica)
A rainha está morta, Alteza

Ela deveria morrer um pouco depois
Haveria tido tempo para aquela palavra
Amanhã, e amanhã, e amanhã
Marca sua enviesada senda dia a dia
até a última sílaba ou porção de tempo registrado
E todos nossos ontens têm luminosas tolices
(Até) o caminho da morte empoeirada. Fora, fora, efêmera vela!
A vida não é senão sombras penadas; um pobre ator
Que orgulhoso e desajeitado falha no momento de sua fala
E nada mais é ouvido: eis a fábula
contada por um idiota, pleno de som e fúria,
significando nada

AOTC

Planeta X tudo

As férias são ocasião de... difícil definir (ou ocasião de redefinir tudo? Não sei. Nossas férias de verão coincidem com o novo ano: tudo pode melhorar). Em estado de dicionário é o período de descanso, período legal, poderíamos completar, pois apenas mediante força da lei se suspende o trabalho. Nem sempre a lei é tão forte, e para mitigar sua fraqueza já se criou a figura das férias “vendidas”, melhor que as férias simplesmente suprimidas. E nesse caso vendemos – e apenas os que estão sob o império das leis – o direito de não trabalhar em nome do sagrado trabalho (e do mais sagrado dinheiro). Mas há de se supor que este caso seja uma exceção. Não vendo minhas férias porque não posso, a lei, mas se pudesse talvez, apenas talvez, não as venderia. Ninguém resiste ao mundo administrado. Voltemos a definição: por que as nossas prosaicas férias seriam assim tão difícil de definir? Este é meu mote, e as voltas que dou ainda não me levaram a lugar algum. Vejamos. Se o trabalho nos persegue e nos encontra mesmo quando tentamos nos esconder, se o oposto ao trabalho não é o simplesmente não fazer nada, mas fazer uma outra coisa (que não se encontra) a dificuldade em definí-la vem daí. As férias deveriam ser afinal o oposto do trabalho, quer dizer, um outro tempo que o tempo morto em que somos simplesmente produtivo. Mas este outro tempo (que haja) nenhuma lei nos garante. Estava de férias afinal e resolvi fazer o prosaico, com algum esperança pelo intempestivo. Comer um sanduíche no fim de noite não parece nem perigoso nem inusitado. Sequer “diferente”. É apenas o oposto a ficar em casa. Notemos, entretanto, que por muito tempo, em Joinville, toda a diversão e mistério gastronômicos se resumiam a uma visita a um carrinho de lanche. Joinville de outrora era o planeta X tudo. Nada de restaurantes, degustação de vinhos, cozinheiros com nome de “chefs”, pratos assinados... Toda a experiência gustativa joinvillense se resumia ao X salada e a multiplicação geométrica que ele poderia submeter-se tornando-se assim o X tudo, o X tudo no prato. O X salada era a medida de todas as coisas. Dos vários “carrinhos” de lanche (a expressão soa mesmo estranha para os não iniciados) há alguns que alcançaram o status de lenda: falo do X tudo do “Magrão”, que sobreviveu aos novos hábitos da classe média local, ao fim da boate do Tennis Club, a concorrência do “Gordão” do outro lado do rio, a sua própria localização ao lado do rio, e ao atendimento “degoutant” que sempre o caracterizou e não só formou sua identidade como forjou uma lenda... O sanduíche do Magrão era (ou ainda é, mas o presente o tomo a título de hipótese) o supremo desafio da noite. Não era um alento, era uma afronta. Lembro do Dezinho, cujas aventuras noturnas eram (talvez sejam) por si só lenda e mito, confessar que comer um sanduíche inteiro do Magrão era o mais agudo desafio psicológico que enfrentara. O mesmo Dezinho que encarou o antigo Tropical Dance da rua Butantan apenas com arma branca, entrou no Carioca Clube de camisa aberta, e dormiu no Gitana e acordou em Cotia... O lanche do Magrão, como se vê, não era para qualquer um. Estendo-me demais no Magrão. Não era dele e de sua cozinha de décima quinta categoria que pretendia falar. Comecei com as férias. Volto a elas. Procurando os tempos de antanho decidi nessas minhas férias voltar a prática do X salada, que tanto praticara quando era só um menino do Glória, torcendo para conseguir beijar a Ana Paula (ex namorada do Dudu) na festa da Anita: o X salada joinvillense é uma suprema experiência proustiana. E por onde andam as neves de antanho?, já se perguntou o poetinha. Em Joinville não neva, mas ainda se tem saudades. Tempos em que as vitórias no Glória Futebol Club eram comemorados com um modesto X salada. E decidi, anos acumulados de experiência, esquecimento e memória, voltar ao X salada de antanho. Fui então ao Rodrigues, que poderia reputar como uma lenda do bairro, mas ele é mais que isso. O Rodrigues foi o continuador de um tradicionalíssimo ponto de carrinho de lanches na XV de Novembro, antes tocado por um chapeiro cujo nome me escapa, mas a quem faltava o antebraço direito. Foi do Rodrigues o inusitado X banha, oferecido aos frequentadores da soirée do Glória (a conhecida domingueira) num ímpeto de desafio. Como era Raian, filho do Rodrigues, hoje técnico em telecomunicações, ex futuro centroavente e goleador do nosso Jec. Vejam, pedir o X salada/galinha do Rodrigues não é apenas voltar a essas lembranças dispersas e afetiva. É isso e muito mais. É voltar no tempo para tirar as merecidas férias desse nosso tempo. Rodrigues, que, como dizíamos, começou na rua XV de Novembro, era não apenas um carrinho de lanche, mas toda uma enciclopédia das fofocas locais e do folclore das fofocas locais. Lembro-me de quando me contou muito naturalmente que um chapeiro de outro carrinho de lanches havia abandonado a mulher para se casar com o contador. O fato que poderia parecer escandaloso, tinha um verniz tão naturalmente maledicente que sob o pretexto de falar mal de tal sujeito – que era o que interessava – poderíamos dizer, com o mesmo tom, que ele havia ganhado na loteria. Houve uma primeira mudança quando ele passou à Max Colin, esquina com a Marquês de Olinda (que também fora, de modo efêmero, um carrinho de lanche. Foi lá, se não me engano que o Nádio destruiu uma mesa de pebolin, sem muita cerimônia). Hoje está ainda a Max Colin defronte a Regente Feijó. Sobreviveu as mudanças da cidade, aos golpes do mercado imobiliário, ao envelhecimento e a falta de dentes. Está miseravelmente banguela, não sei se por falta de dinheiro ou por voto espiritual. Reinventou-se, mas como toda personagem fiel a seu tempo e a outros tempos não entendeu muito o que mudou. Dos projetos de um frigorífico em Itajaí ou de uma empresa de terraplanagem, foi nada ou quase nada que ficou. Mas mantém-se firme no seu carrinho de lanche. E foi lá que fui procurar um X salada/galinha místico, de outros tempos, reinventando um tempo e um lugar que já passou. Mas chegando lá Rodrigues não entendeu minha peregrinação. Tumultuou-me com uma infinidade de assuntos e curiosidades. Era o próprio Rodrigues. Era Rodrigues imitando Rodrigues. Filhos, futebol, as últimas notícias, por onde andavam este e aquele. Em uma avalanche, veio-me me consultar como um oráculo, quando era eu que procurava a bendita salvação do X salada. Pensou que eu fora trivialmente comer um X salada – nesse caso, um salada/galinha – e não me deu o silêncio merecido da meditação. Comer um X salada é toda uma meditação sobre um tempo que não volta mais. Mas é uma meditação mais profunda que uma meditação meditação. É o verdadeiro pensamento com a barriga. Não entendi tanto assédio, e confesso que esta quebra de liturgia me incomodou. Já em casa, tarde da noite, procurando, um pouco em desespero água para matar a sede infinita que tais extravagâncias provocam, entendi o chamado do Rodrigues: “Seus discípulos perguntavam-lhe o que significaria tal parábola. Ele respondeu: 'A vós foi dado conhecer os mistérios do Reino de Deus; aos outros, porém, em parábolas, a fim de vejam sem ver e ouçam sem entender”(Lc, 8, 9-10). É meus amigos, toda palavra é sim uma semente.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Ano novo vida velha

Releio texto de Paul Krugman de 29 de dezembro de 2009, publicado entre nós por “O Estado de São Paulo”. E já me pergunto, quando foi 29 de dezembro de 2009? Parece uma data longínqua, dessas a ilustrar uma lembrança obrigatória, por força de lei. Dia de Fulano de Tal, dia do representante comercial, dia do optometrista. Todos de menção merecida e pouco lembrada. Deus está nos detalhes, já se disse. Mas sempre se esquece deles. E me detenho um pouco nesta impressão: um 29 de dezembro. Lembro-me de quando li o texto (e não faz assim um século): havia ainda um ano novo a ultrapassar, com seus rituais de bons augúrios, roupas brancas, fogos de artifício e uma certa selvageria só tolerada graças a algum álcool. Agora tudo já passou. De todo modo, o artigo permanece, com seu título obsessivo: o grande zero. E seria muito fácil tomar o título como uma deixa autobiográfica: meu grande zero; depois do trauma do primeiro seis e meio que me foi dado pela Tia Cecília, no exercício de minhas primeiras letras, tenho acumulado zeros com maior ou menor vergonha, às vezes desavergonhadamente, com o perdão da (má) palavra.
Voltando ao artigo, descobrimos que o grande zero é muito mais grave que as vicissitudes de uma vidinha qualquer. No caso, a minha. E ele não é dado apenas a um ano prestes a acabar, mas a uma década em que nada foi aprendido. Vale lembrar, o ano que acabou foi o ano de uma grave ou gravíssima crise econômica. E passou sem que boa parte dela tenha sido entendida, sem que nos déssemos conta de que recusar aprender com ela é gravíssimo ou mais. Eis o grande zero. No primeiro momento, com muito sangue de Wall Street sendo imolado no altar do Tesouro Americano, ficou de bom tom que aqui ou ali um intelectual ou outro desse o ar de sua (trágica) graça: o capitalismo acabou (e cômica graça, repitamos). Mas não acabou, nem se sabe o que lhe sucede. Os fracassos da rodada de Doha e do COP 15, por sua vez, ilustram aquilo que é a verdade do sistema mundial: uma rígida hierarquia de monopólios que prescindem de “mercados” dita o dia a dia do “mercado” de peixe e de pão. Este é nosso mundo. Entre os dois andares não há mágica democrática, há apenas conformismo e resistência. Daí, novamente, nosso grande zero. Zero na economia, zero na vida, zero no amor. Estamos lutando para perder de pouco, certos da derrota. (Roubo a frase de um confrade, citada, normalmente, para todo e qualquer contexto).
Mais ou menos conclui Paul Krugman: “Foi a década em que nada realizamos e nada aprendemos”. E passamos a vida à toa, à toa (citando um sábio de outra ciência que a economia).
Jecmania
Amigo recomenda leitura de blogue em que sugere ser colaborador http://jecmania.blogspot.com/2009_12_01_archive.html
Como o nome indica, é um blogue de torcedores, no caso de um time da série D, o outrora mais famoso Joinville Sport Club. Solidarizo-me com os torcedores em geral, são generosos por natureza. Nesse caso, mais ainda, já que a frase roubada acima já foi usada para explicar a natureza desse time mais de uma vez. Jecmania é uma irmandade (talvez uma seita) de incorrigíveis generosos. Mas algo me incomoda: diz reiterada vezes (não li tudo, tenho certo horror a erudição) “este espaço não é para “simplesmente criticar o time”. Fico no “simplesmente criticar”. Mas faço um parêntesis. Meu amigo querido que confessou ser um dos colaboradores ou o colaborador do blogue é amigo de uma verdade sem par. Reputo sua sinceridade a de um heróico tribuno da plebe. E o entendo. Ele não quer a discussão estéril dos que não tem nada a dizer. Ele quer falar da sua generosidade de torcedor. Fecho o parêntesis. Volto ao “simplesmente criticar”: é meu único interesse palpável. Daí o grande zero que abre este texto. Estou condenado ao grande zero. Como a economia mundial, não estou disposto a aprender com as crises. Diz Paul Krugman, mais uma vez, sobre a experiência econômica da última década: “quando, de tudo isto, se mostrou verdadeiro? Zero” Repito, e o quando da vida é verdadeiro? Tirante os generosos e os torcedores fanáticos, vamos todos ao inferno. E feliz e próspero ano novo.

Leia
http://danobrearte.blogspot.com
http://revolvernamaodomacaco.zip.net/
http://jecmania.blogspot.com/2009_12_01_archive.html