sábado, 17 de julho de 2010

O Profeta do acontecido II etc


O Profeta do acontecido II, Brasil X Holanda e outras quejandas misérias.

São tantos os acontecimentos que se é levando por um turbilhão de associações, de possibilidades, de imagens e quase imagens: é o mundo, somos nós, são os outros e fica realmente difícil recompor-se em um idéia estável e confiável das coisas, do mundo, de nós e dos outros. Ontem (ou já será anteontem ou ainda mais distante, quando éramos todos jovens?) a roda da fortuna girou duas vezes e duas vezes duas vezes: e quem sabe o primeiro tempo de um jogo de futebol não seja um outro tempo que se junto a um segundo outro tempo e entre a saída e a volta ao campo haja mais mistérios que supõe nossas vãs previsões – a descontinuidade, neste caso, seria o segredo da invenção de todo o tempo do esporte. Um dos mistérios do futebol? Vá lá... Tudo metafísico demais, concordo. E a metafísica nada mais é do que um certo mal humor, um despertar indisposto, uma noite mal dormida, um telefonema infeliz. Mas vá lá... Não preciso de tantas divagações, nem pretendo ir tão longe assim no céu das minhas miúdas idéias. Recomeço lembrando os vaticínios do Menino do Rio, sobre o destino do Uruguay. E o faço não para requentar o óbvio – como é difícil ser profeta do que ainda não aconteceu, e não apenas do que ainda não aconteceu mas do improvável, do impossível, do imponderável. O profeta é sempre burro meus amigos: ele não precisa, não pode, não deve entender de suas profecias. Ele apenas acredita piamente. E começo pelo fim, sem entender o porquê. Não pretendia começar pelo Uruguay das quartas de final. Já tivemos o Uruguay da semifinal, igualmente surpreendente. Para tentar acompanhar a roda do fado girar pensei no fatídico Brasil X Holanda (sei sei assunto já requentadíssimo, obscuro e longínquo depois do caso Bruno e seus amigos de fina estampa...). Mas pode-se perguntar por que fatídico, que destino, que fado e mesmo como destino, como fado, etc, etc, etc. Acordei cedo, no dia do jogo, para resolver pendências que me atormentam, mas nada que escapasse do trivial: dívidas, credores, e meu notório nome sujo, e tantas outras questões paralelas. E já percebia e mais, antevia a cidade a se preparar para um desastre, mas um desastre morno, sem muito graves consequências. E digo isso porque acordei com a certeza serena de que o Brasil seria derrotado. Minto. Já dormi certo da derrota. E poderia muito bem parecer que a derrota por todos os lados me contamina de certa disposição... derrotista. Nada disso. As derrotas que coleciono têm o mau hábito de ser estritamente pessoais e quase incomunicáveis. De modo que fui surpreendido mais uma vez pela certeza de profeta. E repito: o profeta é burro. E perdendo tempo de muitas maneiras (já que dinheiro não tenho mais para perder) diante da tela do computador via o primeiro gol do Brasil levemente surpreso, nem desconfiado, nem entusiasmado, continuava as voltas com os meus assuntos triviais. A profecia amigos é uma maldição que me persegue há 38 anos e eu resisto como posso. Daí que diante do gol do Brasil mantive-me calmo, esperando aquilo que faz indiferentemente falsos e verdadeiros profestas: aguardei o fato, a coisa ela mesma. Ganharíamos e poderia dar-me por um satisfeito pseudo profeta, um falso profeta a bradar por ondas eletrônicas a salvação que, sinto muito, não virá. Não é uma profecia, é apenas um modesto palpite. Tão diferente das, então, pretensões do meu queridíssimo amigo Menino do Rio, que consultou sabe-se lá qual oráculo (talvez o único e verdadeiro livro de São Cipriano) e que exorbitava uma certeza no nosso saudoso Bolão RNR que assustou uns e outros. Mas como vimos, e eu lamento, era mais uma certeza de cavalo paraguaio.
Voltando ao jogo, todos sabemos que foi o que ocorreu. Repentinamente uma tempestade se abateu sob o céu imenso e estrelado do escrete nacional. E fomos fatalmente derrotados, como que atônitos e incapazes de reagir. Nossos jogadores também tiveram seu segundo tempo de profetas, e hoje creio mais que nunca nessa verdade: eles sentiram que magicamente, que de modo irresistivelmente mágico não podiam ganhar e, infalivelmente, perderam. Quando saí de casa, diante de um Vale do Anhagabaú desolado, vi uma revolta bovina se espalhar, como uma onda em dia de ressaca, pelo castigado Distrito da Sé: havia uma morna insatisfação, uma revolta muda a somar-se a um resto de uma sexta-feira inútil para viver. Os mais exaltadas, e sempre há, procuravam motivos para um crime, um linchamento talvez. Por fim, nada houve. E todos voltaram cabisbaixos para casa ou sabe-se lá para onde. E fiquei com minha incomunicável certeza: quem de vocês, amigos de boa fé, acreditariam em um profeta do acontecido? E busquei no fundo da memória algum segredo para revelar e que pudesse contar como quase prova, uma verdade verdadeira a atesta esta verdade de última hora: e vem não sei que confusão em uma casa da rua Conselheiro Antonio Prado, conversas e gente passado de um lado para o outro. De repente todos olhando uma fantástica luz colorida e entre azuis e laranjas eu, ali, envolto na minha fantástica fantasia de criança de dois anos. A realidade da infância é toda uma literatura fantástica. E via, enredado na própria fantasia da minha realidade, que tudo tem um sentido, tudo há de ter um sentido, e minha mãe, só as mães, a pedra angular da realidade infantil, me chama e me pede para prestar atenção ao jogo: sossega menino. E no meio disso tudo algo como o Brasil é desclassificado pela Holanda em minha primeira copa do Mundo, em 1974. Aos dois anos de idade, diante da Laranja Mecânica, via a realidade triunfar sobre a fantasia de um país embalado pelo começo do fim do nosso Milagre Econômico, naquela primeiro ano do Governo Geisel, com os passes e o gol de Cruyff. Em 1974, aos 2 anos de idade, a irrealidade da derrota irrompe em minha fantástica esperança de criança. Não esperava que o Brasil enfim fosse a potência que se prometia, esperava apenas a alegria ao invés da tristeza da derrota, apesar de ainda não saber o sentido da derrota. Em 2010, vejo com os olhos líquidos e amendoados de minha filha de dois anos o mesmo infortúnio e a mesma verdade. Uma derrota para a Holanda. E compreendendo muito menos. Da vida, do futebol e do mundo.

P.S. Fim da Copa do Mundo (qual novidade) sob os auspícios do inusitado. Sem nenhuma simpatia pelo campeão, minha copa se encerra na disputa pelo terceiro lugar. (Por isso eu sempre sou: terceiro, como ensina a canção.) Fica ainda não sei que verdade: Renato Negueti Rocha, artillheiro de um único campeonato.