quinta-feira, 3 de julho de 2014

O Filósofo é sua sombra.

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Duas semanas e meia depois da operação faço três viagens aéreas, duas conferências e participo de uma banca de mestrado. Tudo relativamente difícil. Hoje acordei, de repente, mais forte. Não esperava. E decidi chorar. Meu choro afinal me consola, e até para o consolo precisamos de certa preparação.
O mundo anônimo das viagens modernas, com seus quartos assépticos, roupa suja acumulada nos cantos, o permanente estranhamento do que não é e nem pode ser familiar me fez ter mais cuidados ontem, depois de idas e vindas. Há umas dores, e uns medos físico. E cuido dos meus pensamentos, dos meus desejos, dos meus sonhos nessas noites suadas e incômodas.
Maringá, reunião em São Paulo, compromisso em Vitória, não nessa ordem cronológica, mas em uma absurda ordem e desordem moral, o descuidado de tudo, a pressa e nada pode esperar.  Repentinamente tudo me pesou. Porque já não posso ser como eu era e a diferença me informa quem fui. A notícia chega tarde, e o jornal de anteontem quase já não me serve. Mas  agora falta pouco e pouco a pouco volto a ser pedestre. O mundo está sob meus pés.
Ontem deixei que o medo e a fraqueza me tomassem, que me dessem esses sustos terríveis e passei alguns instantes imerso no pior de tudo, pior de tudo que pode me acontecer. Mas o pior que se imagina nunca é tão ruim assim. E aqui tem essa praia e vem uma brisa e as mulheres passeiam pela orla. Respiro. Conto até um milhão. E volto aos meus passos.
E  passou essa vontade de pesadelos dirigidos e encenados.
Agora no aeroporto pela quinta vez em seis dias telefono para meus pais. Tudo um pouco dramático, demais. Agora me chamam pelos autofalantes. Estou aqui. Choro. E meu choro me consola novamente. E me sinto Ulisses chorando na praia, em alguma praia, e aqui do Aeroporto sinto a brisa do mar. Ulisses, o sofredor – seu epíteto – chorando e lembrando de um exílio que não pode nem deve evitar. Morrerei, já ou ainda não, e certamente vou sofrer, ser cortado em mil pedaços e sentir que fui traído por tudo, por meu corpo em que tanto confiei, traído por algum mal incontornável, uma terrível causa secreta. Vou e não vou - resisto. Não quero sofrimento nem algum mal para decorar minha vida e fábulas da idade madura. Não quero mais cirurgias, macas, aquela terrível luz nos olhos.  Nem remédios, nem emplastos, nem salvações de última hora. Quero viver pouco e muito e cuidar de minha filha, e realizar coisas e seguir profeta. Mas sou Tirésias e vou e volto ao reino dos mortos, ouço vozes e sinto que meu medo é ser menor do que aquilo  que me amedronta. Não sou.
Dia lindo em Vitória. 
Vou sobreviver a tudo.