terça-feira, 15 de junho de 2010

Mudamos nós ou mudou o natal?

Leio a mensagem (Torcer or not to be) no inusitado blogue Bolão Renato Negreti Rocha. O blogue, por si só, mereceria uma mensagem. Ele nos põe em um outro patamar (nós, sobreviventes do Nelson Xavier e Anselmo Vasconcelos), altíssimo patamar, é certo. De tal modo Dom Tadeu mostra sua dedicação que já penso se ele não merecia um premiação à parte no fim do certame, algo como a faixa Miss Simpatia que cabe aos não ganhadores ou aos concorrentes honorários, ainda que ele seja também, daí a graça, um profissional da chatice.
Volto ao assunto: mudamos nós ou mudou o Natal? E poderia muito bem reduzir isso a sensação de todos nós (uns mais outros menos) de que mudamos, que o mundo muda, que a roda do fado não pára de girar. Hoje, porém, vivi a inusitada verdade de um anti-torcedor, de um contra-torceder, de, pior, de um ex torcedor da amarelinha, que sabia de cor a “Seleção Canarinho” do saudoso Júnior Capacete, que parece seguir com suas pretensões musicais, e pulou e gritou da mais pura alegria com o famoso (o primeiro) e nunca igualado gol do Josimar, na copa de 86. Eu era um outro que já não sei quem fui, apenas que teve 14 anos. Hoje, aos 37 anos, acordei sem a menor impressão que teria de mudar meus planos de trabalho por causa de um jogo do selecionado brasileiro e que, no máximo, daria uma espiada no correr do jogo em alguma televisão que haveria de estar por perto.
Caminhando pela Paulista pelas 10h30 desta manhã fui surpreendido por não sei que ar nervoso a envolver tudo e todos, menos eu, preocupado eu com alguma coisa que preocupa a maioria dos mortais (falta de dinheiro, chegar no horário, tomar o horrível transporte público, comer alguma coisa) seguia meu caminho por essas plagas sem dar maior atenção. Havia uma correia maior que o normal, um entusiasmo nervoso a envolver os rostos e a apressar os passos e eu, fora de lugar, mais uma vez, custei a pensar que tudo isso era efeito de um muito pouco interessante jogo de futebol. E confesso, me surpreendi. Talvez menos com o frenesi a tomar conta de todos e mais com minha calma indiferença. Já no Distrito da Sé, no centro de Piratininga, o frenesi transformou-se em algo como um convescote carnavalesco, de uma permissividade semi selvagem. E vi pessoas que não param no sinal vermelho, que são a favor da pena de morte, que não se furtam a buzinar para velhinha na faixa de pedestre, com os rostos pintados, perucas verde-amarelas, antenas de joaninha (amarelas, naturalmente), um mar de camisetas amarelas, e com as cornetas variáveis na forma e na extensão, menos na inconveniência, a gritar, a correr apressadas, a ameaçarem a mulher do próximo. A sensação era que alguém estava prestes a passar a mão na minha bunda e que todas as bundas corriam um risco relativo, homens, mulheres, velhos e crianças. Mas essa permissividade generalizada não era inconformismo. Havia , afinal, uma multidão. Mas todos eram conformados torcedores da Seleção Brasileira. Talvez o único inconformado na multidão fosse eu. Sou um poço de inconformismos bem acomodados.
E já me explico novamente (tantas explicações): gosto de futebol. Assisti às semifinais e finais do Campeonato Paulista no Charm da Augusta e talvez nunca tenha torcido tanto. Se o problema parece não ser o futebol, quando se trata da seleção nacional, tudo o que é irrelevante para o nosso time, torna-se intolerável – técnico bandido, jogador evangélico, má contratação, desvio de dinheiro e mesmo ingresso caro.
Há, porém, não sei que incapacidade de sentir-me parte desse simulacro de unidade chamado Selecionado Nacional, de sentir-me brasileiro (não porque tenha conseguido um passaporte italiano, casado com uma alemã ou ganhado o green card na loteira americanda), que hoje me assombrou diante da multidão no Vale do Anhagabaú. Que lugar é este? Já não acredito que um lugar entre tantos possíveis seja capaz de dizer quem eu sou ou como devo ser; não acredito que um lugar seja capaz de dizer o que é aos que passam por ele: tanto o lugar quanto nós somos só outros tantos fantasmas, sombras penadas. Acho que formou-se em mim uma radical vontade de não participação: porque toda participação é irrelevante, porque o Brasil é a prova cabal de que nada vai dar certo.
Diferente dos grandes heróis de meu remoto passado de torcedor da seleção – Paulo Roberto Falcão, Sócrates, Zico, Edinho, Leandro, mesmo Carecone, em 1986 – vem agora, diante da minha imagem de ex torcedor , a sombra de um único herói menor: Josimar Higino Pereira. Homem de dois gols,contra Irlanda e Polônia, duas assinaturas na televisão, a narração única de Osmar Santos: gol de Josimar. E na sua comemoração, no entusiasmo louco de sua comemoração, já havia o prenúncio de que sua vida, toda ela, caberia nessa poucas lembranças a inundar irremediavelmente todos o resto de vazio a ser preenchido. Gol do Brasil.

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