quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Jean-Pierre Léaud: ator alucinado, por François Truffaut (trad. AOTC)


Há aqueles que amam a fantasia, há os que a detestam. Entre aqueles que detestam a fantasia, há os que fingem amar o cinema. Mas, se são questionados, você logo se dá conta que eles amam, sobretudo, o cinema documentário, aquele que é tão chato quanto as conferências dos exploradores na Sala Pleyel. Os que se afeiçoam ao documentário, se dignam, às vezes, ir ver ficção, mas logo se percebe que seu gosto os leva em direção as histórias realistas, bem situadas geograficamente, historicamente, sociologicamente. Como por acaso, essas histórias são frequentementes interpretadas por atores corpulentos, bem confiáveis já que seu peso os desculpa do que se poderia supor de leviano e ligeiro em atuar, segundo o espírito do público. Ninguém jamais critica esses atores pesados, sempre plausíveis como donos de bar, taxistas, funcionários públicos. Os fanáticos do verossímil concentram suas críticas nos atores magros, de bochechas vazias, descabelados, os atores bressonianos que sua timidez faz com que se exprimam como ventríloquos dolorosos. Contrariamente aos gordos bem situados, os atores magros não dissimulam seu medo nem um ligeiro tremor na voz, não são domadores, são indomáveis. Qual tentação se oferece, então, aos capachos que se tomam por leões de morder o calcanhar desses atores sonâmbulos!
Acabo de fazer o retrato de Jean-Pierre Léaud e de explicar por que ele não agrada a todo mundo e por que ele agrada tanto àqueles que ele agrada. Jean-Pierre Léaud é um ator anti-documentário, mesmo quando ele diz um simples 'bom dia', já mergulhamos na ficção, para não dizer na ficção científica. Antes da guerra, o público de quem a ouvido ainda não havia sido banalizado pela televisão, apreciava os atores especiais, de dicção marcante: adoravam o sotaque romeno de Popesco, os arrancos asmáticos de Louis Jouvet, a veemência alucinada de Robert Le Vigam.
Alucinado, a palavra é fraca. Jean-Pierre, filho natural de Goupi Tonkin, também secreta a plausabilidade e a verossimilhança, mas seu realismo é aquele dos sonhos.

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