segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Da arte de falar mal - o retorno

Da arte de falar mal.

Queridos amigos da Real Associação, na falta do que dizer, pensei imediatamente em exercitar meu pendor e minha vocação, tão óbvios para quem me conhece. Há trinta e tantos anos sou um convicto profissional do “do contra”. E isso explica tanta coisa em minha vida, que quase não dou conta de minha excentricidade. Por exemplo, o que explicaria morar em São Paulo, o mais completo e evidente fracasso sob qualquer e todo ponto de vista? E já respondo: em que lugar em me sentiria melhor senão no pior dos lugares para poder ser mais e sempre plenamente “do contra”? São Paulo é o lugar privilegiado da minha vocação. E já me vem a cabeça (saudades) meu querido amigo Menino do Rio. No Rio de Janeiro, quem não sucumbe a tentação de ser a favor? Claro que não a favor do César Maia, mas...Sei que alguns irão dizer, há favelas, tiroteios, a baia poluída, o diabo... Mas há também uma praia, protegida pela tal Guanabara, uma brisa, um calor, e de repente, uma abraço, um carinho... E eis que já estamos com um banquinho e um violão pensando, nada pode ser tão ruim assim... Exceto São Paulo. Daí que eu tenha pavores do Rio de Janeiro: tenho certeza que uma semana de Rio de Janeiro, se não me fizer carioca, no mínimo, subverte irremedialvemente minha natureza. E haverá, então, uma certo eu mesmo sorridente, queimado de sol, calção curto aberto no espaço, coração de eterno flerte.... Mas mesmo eu, com toda preocupação que me caracteriza, também tenho meus momentos de ser a favor. Veja vocês: comecei a frequentar a biblioteca da Faculdade de Arquitetura da USP em virtude de força maior (durante a última greve da Universidade, a biblioteca da FAU foi uma das poucas bibliotecas a furar a greve). E acabei me deixando contaminar pelo estados de coisas da FAU: meninas olhando livros de arte ligeiramente decotadas, gente estirada no gramado, namorando nos bancos do jardins... A FAU meus amigos é um baraaaaaato. Mas faço um parada. Não foi das meninas da FAU que pretendia falar. Já me explico: estava eu caminhando pelo Shopping Anália Franco (e não me perguntem como fui parar lá, nem eu sei responder) e vi uma família de corintianos: todos uniformizados. Um pai corintiano, uma mãe corintiana, e dois corintianinhos, um talvez com a idade de minha filha. E no meio do turbilhão de minhas obsessões ocorreu me certa repulsa por essa doutrinação dogmática das crianças. Poderia dizer: e se fossem uma família de malufistas: Todos com a camiseta 1111 do Dr. Paulo? As crianças já transformadas pelo constrangimento irresistível dos pais em pequenos taxistas? Poderiam dizer: ser malufista é diferente de ser corintiano, santista, são paulino. Verdade. Mas ainda sim permaneceu em mim a repulsa. Talvez porque eu queira me libertar um pouco das minhas obsessões, talvez porque ache toda obsessão uma sujeição injustificada. Faço outra pausa (para me contradizer): dias desses fui fazer antropologia em Higienópolis: e cheguei no horário propício. Era o exato momento em que as senhoras negras passeavam com os filhos da gente bem estabelecida de Higienópolis. Lia, alguns dias antes, que há um movimento no bairro contra uma estação de metrô na Av. Angélica. Porque essa gente decente não se incomoda muito se a senhora negra que cuida de seus filhos (e já lhes ensina a educação do mando se portando como serviçais por força de ofício) passa 5 horas por dia no transporte público. Quando essas considerações me vêem, só penso em uma coisa: eu preciso ser contra, tenho que ser do contra.
Fecho parênteses: tanto blá blá blá por quê? Queria falar do futebol nosso de cada dia, mas fugiu-me o assunto: sobre o Internacional, com seu simpático bi-campeonato, lá estava o Pelé de vermelho e sua tradicional camisa de gola chinesa, quase tudo já foi bem dito pelo meu irmão. Sobre o Ganso, trágica lesão, além da tristeza de torcedor e minha solidariedade, também quase tudo já foi dito. Sobre o Neymar, vá lá, ficou, mas o Neymar tem o mal hábito de ser um cretino, e não tenho muito o que falar dele.
Mas sucede que no fim de semana li uma longa entrevista com o Murici Ramalho, na Folha. Notável. Sóbrio. Honesto. O sujeito só cresce. Conclui com o lapidar “futebol é uma ilusão”. Tremendo. Mas o trecho que mais me chama atenção, sem qualquer laivo de moralismo, sem qualquer destaque desmesurado foi quando ele fala da esposa: “Converso com a mesma mulher há trinta anos, e para mim é uma maravilha”. Justamente: conversar com alguém. O maior dos mistérios humanos, a mulher, resolvido na singeleza dessa verdade. Imagino o quanto Muricy tem a me ensinar, eu que já não pretendo ser jogador de futebol. Não sou fiador do Murici, não sei de quantas orgias ele já participou, mas a frase, a confissão, é de uma beleza modesta e cativante. Não há escândalo, não há propaganda. Só um homem falando. Sou santista, devoto de São Rei Pelé, por obrigação e hábito, mas torço sinceramente por esse homem notável, que melhor que treinar o Fluminense e caminhar para a conquista do Brasileirão, senta para conversar com a mesma mulher há trinta anos e garante: “para mim é sempre uma novidade”. De repente, uma flor nasceu. Nense, Nense, Nense.

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