Dois
milhões de habitantes!
e
nem precisava tanto...
Precisava
de um amigo,
desses
calados, distantes,
que
lêem verso de Horácio
mas
secretamente influem
na
vida, no amor, na carne
C.D.A.,
A bruxa.
Treze teses contra os eruditos e contra
a erudição.
- A erudição é o estoicismo dos proprietários. Os proprietários dispensam o presente com o argumento de autoridade – ad verecundum – é meu.
- Os proprietários têm uma história que termina no passado, um presente que começa no céu das idéias; só a eles é permitida a forma ideal de possessão.
- Pensar por antecipação: cartada. O blefe é a aposta n(d)o real.
- A erudição é delírio sem atualidade (O delírio é amor à atualidade, às avessas.)
- A erudição olha para suas costas como se olhasse para sua frente: não lê o futuro no passado, mas o presente na presença do passado; exige de si inconsciência disso – seu presente é déjà vu (“...uma leitura tão armada que desarma qualquer olhar de leitor. Esqueço o que outros disseram para lembrar o que preciso dizer”)
- A aposta é amor mágico ao instante (que amor não é misticismo deliberado?)
- A autoridade do erudito é fundada no medo do saber; mais, no medo que o saber nos salvará; mais, no medo de jamais sermos salvos pelo saber.
- Filósofo ignorante: não recusa o saber, mas ri do próprio saber – nada é sério afora o agora.
- A erudição é o escólio da não atualidade.
- O real inventa apostas possíveis e paga para ver.
- (O detalhe é a forma possível do imponderável – e deus está nos detalhes e o diabo anda solto no canteiro de obras – o detalhe é o maior tempo no menor espaço.)
- O agora, armas em mãos: o pássaro na gaveta, a experiência moderna. A erudição guarda o pássaro na gaveta da memória; o agora dá asas ao impossível (e ao possível).
- Em face dos últimos acontecimentos: oh, sejamos pornográficos.
Treze
teses contra as evidências do cotidiano e a metafísica segundo a
forma de previsão do tempo (nulla
dies sine linea).
“Originalidade
é tentar fazer como os outros e não conseguir.”
Pseudo
Jean-Luc
Goddard.
- As previsões para o tempo do agora são o sonho de um agora sem tempo
- A mitologia do agora: o instante é a imaginação de um tempo sem passado.
- A verdade de amanhã não é a verdade de hoje, mas verdade do tempo – o fundamento do jornal diário é o esquecimento como má-fé.
- A pornografia é o retrato de mulher sem rosto – seu corpo não presta contas a ninguém.
- O eterno feminino é o corpo sob a forma da erudição; ser mulher, por si só, é ofício letrado: para cada gesto, cada detalhe, cada suspiro, um nome não basta – para cada movimento um verbete de enciclopédia. Cada detalhe de mulher é história universal em enciclopédia sistemática.
- A melancolia é a palma severa do instante: o melancólico aguarda a vida nos detalhes – a vida prescinde dos detalhes.
- “A leitura do jornal diário é a prece da manhã realista”: o leitor inventa os fatos, a leitura são os fatos transformados em história – cada instante lido é história despertada.
- A arte médica transubstancia o instante do sintoma em história da doença.
- “Palabras, palabras desplazadas y mutiladas, palabras de otros, fue la pobre limosna que le dejaron las horas y los siglos”.
- O fundamento do juízo é sempre outro juízo, nunca os fatos. A crítica não julga o que são os outros, mas aquilo que eles dizem sobre o que são e sobre o que nós devemos ser. O crítico não se interessa pelos fatos, mas pela versão corrente dos fatos. O juízo é história condensada numa fórmula.
- O rosto de mulher é a fortaleza, é o limite lógico que demarca a imagem pornográfica: em um olhar que se reflete em outro, o sexo deixa de ser anônimo para tornar-se pessoal e intransferível.
- A pornografia é o outro visto sem que ele possa ver-se. Na pornografia não há personalidades, apenas sociedades anônimas.
- A verdadeira pornografia não revela, oculta (na luta vã dos corpos, os rostos ausentam-se).
Nenhum comentário:
Postar um comentário