domingo, 29 de setembro de 2013

Vestidinho no cabide.

Tantas outras você seria, tantas vezes eu te amasse – porque no amor amo diferentemente cada vez que amo. Ou não foi você que vi dobrar aquela esquina? Passo apressado? Bolsa à mão? Foi outra tão como alguém que jurava existir como você, você entre tantas? Note: poderia ser tantas outras e, numa síntese improvável do desejo, concorreriam todas apenas para ser você, fosse quem fosse, se eu olhasse como te olho, quando te olho e esqueço de tudo mais que vejo.

Acreditei que te encontrei ontem. Você não me viu. Estávamos apressados e decidi não parar. Mas ainda nos encontramos. O mundo é pequeno. E vivo assim, avulso pelo mundo, e no mundo esqueço de tanta coisa (e ando e me escondo), me apresso, me atraso e descuido do que é imporante. Não desperto assim atenções ou sou portador de alguma pedra preciosa. O valores que carrego são baixos.  Você me viu assim,  pelos cantos, sem querer: descobriu uns segredos, suspeitas, mentiras leves, algumas traições. Não melhorei muito, mas amo mais, lamento e suspiro. Não são tantas harmonias nem melodias, o que vejo e o que me faz ver me engana. Ainda sim, sou o mesmo (me disse no espelho): de tantos olhares sou olhado e desejo olhar. Ainda nos encontraremos. No fim de tarde há tanta pressa, tanta gente, todos decididos chegar em algum lugar. Mas dispenso a pressa. Na sua ausência, te procuro onde você não está. O amor não se deixa enganar.
***
Sábado, um pouco frio, venta, mas tem sol. A indicação é vaga e em nada muda meu dia. Desse modo, será apenas um sábado escrito enquanto meu sábado fica para trás com a lembrança da menina Maria Clara.
 
Não sei a partir do "um" tudo se organiza: um princípio, um axioma, um teorema, teu único nome. Ou se entre dois: como no meio de uma luta, de um esforço, de uma força cega: vida que se espalha com morte, todos acidentes, alguns sobreviventes.  
 
 Esse não saber tão pouco e insatisfeito leva-me a você: menina com febre na tarde de sábado. Se todas as tardes fossem assim, para todos os dias serem como sábados; e se todas as tardes de sábado fossem assim?

Não todas as meninas, mas você (promessa que, talvez, não se realize): criança com febre correndo no pátio de cimento. Talvez não devas correr: crescer é descobrir que a infância é somente uma lembrança fantástica.
 
***

E se tivesses tranças e sapatos velhos, e se fosses a filha da costureira, e se lavasses roupas com as mãos, e se tivesses sonhos de uma menina sem metafísicas, e se comesses com uma fome tão sincera e profunda, acho que seria feliz.
Engano, mal-enganado, desenganado: no abraço que não te dou perco-me em meus próprios braços.

 
Continuo, entretanto: não só me engano, engano-me mais e muito mais imaginando um coração vermelho, grande, bravo, sufocado dentro do vestido.

 

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